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Se a violência imperial mais impactante consiste no epistemicídio e, portanto, sua sequela mais longeva incide sobre a identidade cultural, a fabricação dessa identidade constitui material revelador sobre os modos de gestão do legado colonial. Investida de conotação jurídica sucessória, a acepção de legado tem operacionalidade conceitual por sinalizar que a descolonização, longe de cumprida com a independência de jure, não prescinde, para se lograr independência de facto, da logística dos bens materiais e simbólicos herdados. Como o legado tem estatuto indeferível e o legatário não pode ignorá-lo de todo, mas pode, sim, investi-lo de sentido outro que não o original, o...
O vínculo entre a literatura e a teologia é a palavra. E toda palavra é criadora, pois somente uma é a Palavra e toda palavra deriva dela. Quando Deus fala ao homem, faz do homem seu interlocutor final; é para o homem que a palavra se manifestou no mundo e é no homem que ela ganha símbolo. A palavra do homem é potência da Palavra de Deus. Mesmo quando um livro não fala do nome de Deus ou não se ocupa em falar de coisas sagradas, ainda assim diz "Deus", pois, na palavra, o homem sempre cria, e o criar pela palavra é preeminência de Deus, primeiro criador que criou do verbo. Estas palavras do homem são sempre um falar do mundo humano para poder expressá-lo fora-de-si para um outro-de-si. Interlocutor primeiro da literatura é o homem, mas Deus nunca deixará de ser o interlocutor último de toda prosa e verso.
A organização deste livro é um gesto rumo a este desafio: compreender como o modelo de realização cultural do imperialismo americano se tornou a metonímia da própria cultura planetária atual e, assim, fornecer subsídios críticos para analisar o estado atual da teoria e da produção culturais predominantes dentro e fora da Universidade, no contemporâneo, além de observar e evidenciar como a caça às bruxas do nacionalismo e do marxismo revolucionários, de base anti-imperialista, concebida como o lugar do rigor, tem sido, na verdade, a extrema traição ao rigor que realmente importa: o do pensamento e da criação comprometidos com o fim da barbárie coletiva burguesa, de onde seja possível falar em rigor da práxis e da práxis do rigor com um mesmo movimento rumo à justiça dos e nos povos, quando não submetidos por soberanos, por oligarquias, por imperialismos.
Um leitor bárbaro, que não respeitasse as regras do jogo estético, é o que Cortázar idealizava desde seu primeiro escrito consistente de crítica literária: Teoria del túnel e que realizou em O jogo da amarelinha. Leonardo M. Neves destaca esse traço que atravessa a obra do escritor argentino e, com isso, ascende o diálogo com toda a tradição filosófica, que é puxada pela força centrípeta do romance a dançar no ritmo da literatura. No entanto, não de qualquer literatura, pois não lhe interessa aquela que "tranquiliza o proprietário honesto", senão a que se realiza no swing entre leitor, escrita e autor e os desloca para outros lados com o intuito de destruir a sintaxe e o...
Por que um livro intitulado Literatura, Lacan e o Comunismo? A psicanálise, sobretudo em sua versão lacanina, é a ciência da separação do sujeito do grande Outro, sua potência ascendente deslocada. O Comunismo, por sua vez, também se singulariza por inscrever a potência ascendente (a revolução) da simultaneidade do reino da liberdade e do reino da necessidade, sob a forma de um sujeito coletivo igualmente ascendente. A arte, no mesmo compasso, inscreve sua potência ascendente no trabalho da/na forma compreendida como duplo do sujeito operário em um conto, poema, romance, canção, ensaio, performance urbana, quando se experimentam ao mesmo tempo como política e como estética: como política de visibilidade comum, no comum trabalho da/na polis; como estética de uma polis comum, nos rastros inventivos de uma comunidade sem soberano, sem dono. Chega-se, assim, ao motivo deste livro: pensar a relação entre Literatura, Lacan e o Comunismo, sempre na dinâmica histérica de um discurso que não fosse o semblante do grande Outro e, desse modo, na era da civilização burguesa, que não fosse o semblante do capital e sua hidra imperialista.
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