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"Em Busca do Tempo Perdido", a obra monumental de Marcel Proust, é descrita como uma experiência literária que transcende a simples leitura, exigindo do leitor uma dedicação intensa e prolongada. Frequentemente citada, mas raramente lida em sua totalidade, a obra é cercada de lendas que ofuscam a experiência real de sua leitura. Em 2021, Marcus Alexandre Motta propôs a formação de um grupo de leitura para explorar e discutir a obra, reunindo alunos novos e antigos em encontros semanais on-line. Esse grupo, livre das pressões acadêmicas, dedicou-se à leitura meticulosa e à reflexão crítica da obra. Além da leitura, o grupo produziu fragmentos chamados "cacos", que buscaram dialogar com Proust e entre si, culminando em uma coleção que reflete a natureza complexa e múltipla da obra original. As contribuições também incluíram composições visuais, enriquecendo a interpretação coletiva dos trabalhos. O resultado é um livro que, assim como "Em Busca do Tempo Perdido", é um mosaico de experiências temporais e reflexões que convida o leitor a uma imersão profunda e paciente no universo proustiano.
Em alguma atitude se apresenta, repousada em meio aos longes de umas massas de cor. Quase suspensa. Os pés da figura repousam frágeis. São contornos de cascos que não vencem. Os pés, qual é o apoio? Levitam ou tocam o mais escuro das tintas? Ao lado, desvio da cor. Mais fundo. Fundo? Há algo como fundo numa pintura? Em nenhuma circunstância. "Ela, ela, ela. Qual ela?... Onde está o seu tato." As mãos pequenas de dedos finos descansam agarradas no volume das pernas. Volumosas pernas que se expandem no vestígio do assento. A infidelidade da figura requer imaginação: extirpar algo do vivo, "do corpo da linguagem, dos sons, da experiência visível". Quanto mais grotesca a forma, maior a autonomia da sua presença, portanto, mais desumana ela é. No avesso, a atitude é humana ao derrubar a formalidade da aparência. Incondicionalmente aguda, a figura separa e provoca. Sua inserção se expande por "capítulos", mimetizando o mito da figura, posta nua, sacode o fascínio esperado da arte e recupera o subterrâneo da história, ao qual pertence, e alegoriza a catástrofe do figurativo.
Notas de urgência da sóbria tristeza (obra sem título e autor) nos leva em uma viagem sinuosa onde as ideias de morte e de perda não são apenas conclusões, mas elementos integrantes do processo narrativo. Nesse sentido, a obra se desenrola pela perspectiva de vozes anônimas, cujos encontros e contemplações expõem a batalha contínua entre o transitório e o eterno. Cada microcapítulo nos obriga a explorar os abismos da experiência humana, confrontando a natureza inescapável da mortalidade com um sentido poético de sobriedade e uma tristeza que, paradoxalmente, ilumina a natureza da vida.
Você deveria ao menos conceber que, qualquer que seja a luta que se trave na esfera da língua portuguesa, pareça imperativo, para quem aceite a justa cultural, dimensioná-la contando com o arsenal existente na obra Pessoa (a falta do conectivo é proposital nos seus ouvidos). Alguns dirão, assim como você, que a batalha é mera fábula de quem aqui fala; outros lembrarão, incluindo você, alguma coisa daquilo que era uma tarefa e que se foi ao longo das datas. A importância de aceitar haver uma pugna a ser travada, devo dizer, não é em favor meramente de uma obra que nunca existiu por completo, tampouco de um autor que só foi sendo muitos, logo ninguém, mas da forma de luta da arte que os escritos "pessoas" exercitam em língua portuguesa.
Para refletir sobre as narrativas detetivescas contemporâneas brasileiras, Marta Rodriguez inicia seus pensamentos com a metáfora do labirinto. Traçando um caminho e percorrendo-o com o leitor, ela nos mostra as relações entre os clássicos romances de enigma e a produção contemporânea. Ao retomar obras marcantes para a consolidação do gênero – de Edgar Allan Poe a Raymond Chandler –, a autora mostra como essas narrativas ainda influenciam a literatura brasileira contemporânea. Explora, para isso, o caráter intertextual presente nas obras de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Luiz Fernando Veríssimo e Flávio Carneiro e os elos com a tradição detetivesca.
Anoitece. A ardência e a ternura da lua declinam na sombra a imensidão das palavras. A escrita assimila e canta a luta dos gladiadores contra a morte que vive a vida do espírito. Aqui ela faz doer o útero da mãe que carrega no colo a morte do filho. Doendo, abre as fissuras da prisão. Aquele que escreve marca o encontro do corpo na página branca, sem rosto. Pavor. Agora pulsa a exigência das palavras que desaparecem numa elaboração do esquecimento – num ressurgimento animalesco. A escrita liberta a vida e vive fora de qualquer aprisionamento. Sai a cada respiração, a cada encontro que possibilita outros delírios, que potencializa outras existências. Impulsão corrente de outras sensações aqui. Branco e branco – ausência que se ausenta sempre branca no branco sempre. Ela dança em giros e faz renascer o pensado, compactuando a escrita com a construção das vidas. Aquele que escreve habita o silêncio primeiro. Aceito a noite.
Publicado em onze exemplares no periódico "A Estação" (1881), "O Alienista" é uma obra central no cânone literário de Machado de Assis (1839-1908), sendo um clássico da literatura brasileira. A narrativa acompanha o médico Simão Bacamarte, que decide se dedicar ao estudo da mente humana na pequena cidade de Itaguaí, fundando o hospício Casa Verde. Bacamarte começa a internar os habitantes mentalmente perturbados, mas sua definição de insanidade se amplia ao longo da trama, levantando questões profundas sobre a normalidade e a razão humana. Com uma visão crítica e irônica, a obra questiona os limites da ciência e da loucura, permanecendo surpreendentemente atual.
"Um trabalho de arte abriga uma posição. Em qualquer um há algo de astromancia. Apoia-se numa eletiva afinidade que se deixa borrada quando desponta. E, como o nascimento solicita a 'carta', a partir da forma absolutamente anterior que se dá entre alguma coisa e outra coisa a ocorrer ao além, em certeiro momento de certa conjugação, um trabalho de arte se transveste assim de algo que oferece os rastros ástreos, da última e da primeira aparição, nos quais se perde de vista o caso, no outro do céu também" – escreve após um gole de café, cruzando, infelizmente, as pernas, impetrando, de imediato, o arranjo da posição
Gira entorno. Diz a voz. Toda imensidão é minudência arranjada no tom menor das letras. Ressurreição, renascimento, retorno e mesmo descoberta; o contar levanta o desesperado no que se fez de destinado. Se há o que deixou de ser, há de contar. Atira. Nas voltas do contar, a vida se refaz muitas vezes. Aviva-se, e o que se pode com a vida é fazê-la desandar. Retroage tudo no iniciar. Dá voltas e não encontra lugar. Divulga-se. Volve. A verdade do conto são as horas inteiras em muitas meias voltas. Testemunha quem fala o falar. Nunca mais do que isso. Testemunha: o que um dia foi vivido não esvanece de modo findo. Sem contas. O que se calcula progride dilata-se, formando volumes, mas não aritméticas. Corre em volta. Amplia-se.
Se puser a imagem de lado, a memória se dará em lenta e espumosa maresia. Cada passo de nossas sensações parece comunicar o que chega em nossas "praias". Assim, tudo e qualquer coisa se entrega e repuxa a história de todos nós. O mar é isso. O resto é sertão. Não por acaso ele também é mar. Seco talvez, mas mar. Mimetizar é o que nos coube, atraindo para as nossas "praias" o que o mar nunca deixou de depositar.